sábado, 27 de setembro de 2014

O Horror Atômico





NOITE NUCLEAR

“Por que já é noite? Por que nossa casa caiu? O que aconteceu?”. A Sra. Nakamura não tinha respostas para as insistentes perguntas de Myeko, sua filha de cinco anos. Naquela hora da manhã de 06 de agosto de 1945, os sobreviventes de Hiroxima não sabiam o que os atingira e apenas começavam a vislumbrar a extensão do desastre. Nakamura acabara de retirar seus filhos pequenos dos escombros e retornara ao interior da casa destruída para encontrar agasalhos. A manhã de verão deveria ser quente, mas fazia um frio inexplicável e a cidade estava coberta por uma névoa úmida e escura. Ninguém ouvira o ruído característico das esquadrilhas de bombardeiros B-29, mas tudo era um monte de ruínas, até onde a vista alcançava. Nas horas seguintes, em meio ao caos, os sobreviventes descobririam que eram as testemunhas da inauguração da era nuclear.

O que aconteceu em Hiroxima na manhã inaugural logo se tornou objeto de acesas discussões políticas e éticas. Contudo, durante quase um ano, s voz das vítimas permaneceu inaudível. Em maio de 1946, a revista The New Yorker enviou o jornalista John Hersey ao Japão ocupado com a missão de entrevistar sobreviventes e oferecer-lhes a palavra. Ele colheu material durante um mês. A edição da revista de 31 de agosto foi inteiramente dedicada à longa reportagem com a narrativa das experiências de seis pessoas que estavam na cidade na hora da explosão. Hersey escreveu um texto comedido, econômico, sóbrio. Não usou nenhum artifício ou enfeite: o relato das horas e dias seguintes das vítimas não precisava de mais nada. Hiroxima significa a destruição total. O fim de uma cidade, de um mundo e de uma época.

OS SIGNIFICADOS DE HIROXIMA

Hiroxima ardia, consumida pelo fogo e contaminada pela radiação, quando aviões americanos lançaram sobre as cidades japonesas um curto panfleto aterrador. Sua principal passagem dizia:


Possuímos o explosivo mais destruidor já idealizado pela humanidade. Uma única de nossas recém-desenvolvidas bombas atômicas é, na verdade, o equivalente em poder explosivo ao que podem transportar dois mil de nossos gigantescos B-29 numa só missão. Esse fato terrível deve ser ponderado por vocês, e nós asseguraremos, solenemente, que ele é cruelmente preciso. Começamos a usar tal arma contra a sua terra natal. Se vocês ainda têm alguma dúvida, investiguem o que aconteceu a Hiroxima quando apenas uma bomba atômica caiu sobre a cidade.

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“Litle Boy” caiu sobre Hiroxima a 6 de agosto de 1945. “Fat Man” caiu sobre Nagasaki três dias depois. No instante das detonações, o clarão da explosão emitiu uma radiação de calor que se deslocou à velocidade da luz. As pessoas que se encontravam em lugares abertos foram extensivamente queimadas: a pele carbonizou-se em tons marrom-escuro ou preto e elas pereceram depois de minutos ou horas. A radiação térmica se deslocou em linha reta, como a luz, de modo que as áreas queimadas corresponderam à exposição direta a ela. Indivíduos que estavam no interior de edifícios e casas experimentaram queimaduras nas partes expostas através das janelas. Um homem que escrevia diante de uma janela teve as mãos completamente carbonizadas, mas, devido ao ângulo de entrada da radiação, seu pescoço e sua face sofreram apenas queimaduras superficiais.

Sob os cogumelos atômicos, morreram no dia dos bombardeios algo em torno de 150 mil pessoas. Quatro meses depois, como efeito da radiação e das queimaduras, o saldo de mortes havia dobrado. O panfleto lançado sobre as cidades japonesas incentivava a população a pedir ao imperador que encerrasse a guerra: “Nosso presidente delineou para vocês as 13 consequências de uma rendição honrosa.” Os representantes do Japão assinaram, a 2 de setembro, a bordo do USS Missouri, o Instrumento de Rendição. “Nós, por este, proclamamos a rendição incondicional aos Poderes Aliados do Quartel-General Imperial japonês e de todas as forças armadas japonesas e das forças armadas sob controle japonês, onde quer que estejam situadas.”

Um símbolo da rendição incondicional: eis o primeiro significado de Hiroxima.

Os Estados Unidos conduziram o bombardeio estratégico do Japão durante três anos. Nos meses derradeiros, o uso de bombas incendiárias produziu destruições calamitosas. Nas quase setenta cidades atingidas, o total de mortos provavelmente ultrapassou as cifras combinadas de Hiroxima e Nagasaki. A campanha aérea contra Tóquio, em março de 1945, parece ter convencido o imperador Hirohito a buscar negociações de paz. Mas a resistência psicológica do Japão só foi quebrada em definitivo com o emprego da bomba atômica.

A diferença de quantidade, na escala verificada nas duas cidades japonesas, teve o condão de mudar todo o cenário das relações internacionais. Hiroxima marca o momento em que as grandes potências (isto é, as potências nucleares) se separam radicalmente das demais pela posse de uma capacidade de dissuasão quase absoluta. Na história militar anterior, nenhuma potência era realmente invulnerável e a guerra se apresentava como alternativa viável para a solução de divergências cruciais: a continuação da política por outros meios, na célebre definição de Carl von Clausewitz. O poder nuclear modificou os parâmetros do cálculo estratégico. A agressão contra detentores da nova arma se tornou uma hipótese aterradora. O confronto militar direto entre potências nucleares se converteu em algo próximo de uma impossibilidade. A guerra (nuclear) despontou como o espectro da abolição da pólis – e, portanto, da política.
Fonte: O Mundo em Desordem. MAGNOLI, D. & BARBOSA, E. S. Páginas: 421, 425,427.

terça-feira, 11 de março de 2014

Acesse o link!

Para responder às questões do exercício sobre a Guerra de Canudos e sobre a Guerra do Contestado, e estudar para esses conteúdos acesse essa página aqui



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O CANGAÇO MARCOU O SERTÃO NORDESTINO POR MEIO SÉCULO.
Há 75 anos, chegava ao fim o bando de Lampião, o mais célebre dos cangaceiros, bandoleiros que saqueavam o sertão na República Velha.
Na escadaria da Igreja de Piranhas (AL), a polícia exibe seu arranjo macabro: as cabeças de lampião (ao centro, embaixo), de Maria Bonita e do restante do bando.
Em 28 de julho de 1938, uma sanguinária madrugada entrava para a história. Naquele dia, um grupo de policiais pegou de “assalto” Lampião e seu bando em Sergipe, matando o rei do cangaço, sua mulher, Maria Bonita, e oito homens e uma mulher de seu bando. Todos foram decapitados e suas cabeças foram exibidas como prêmio nas escadarias da igreja de Piranhas (AL)
A palavra cangaceiro é uma derivação de “canga”, estrutura de madeira que se encaixa nas “costas” de bois de carga para que os animais façam a tração de carroças. Os cangaceiros levavam seus pertences nos ombros em suas andanças, daí o nome. O cangaço é fruto da miséria e do abandono social que dominavam as regiões mais remotas do país. Já no período das Regências e do II Império, esse quadro provocara revoltas como a Cabanagem, no Pará (1835-1840),e a Balaiada, no Maranhão (1838-1841). Também resulta do coronelismo, regime baseado no poder político e econômico dos latifundiários, característica da República Velha (1889-1930).
Banditismo Social
O processo de transformação de cidadãos em “foras-da-lei”, causado pela pobreza, é chamado de banditismo social. São pessoas que pegam em armas por não encontrar outros meios de inserção social ou de sobrevivência.
Os primeiros cangaceiros trabalhavam como jagunços matadores para os coronéis. Os primeiros grupos de bandoleiros aparecem no final do século XIX. Diante da miséria e dos abusos dos coronéis, surgem quadrilhas que vagam pelo sertão, assaltam sertanejos isolados, vilas e fazendas.
Histórias sobre os crimes dos cangaceiros passam a fazer parte da cultura popular, revestidas da aura de aventuras, e teriam fascinado Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Nascido em 1897, no sertão de Pernambuco, ele cresceu ouvindo relatos sobre o cangaceiro Antônio Silvino. Após assumir a liderança do grupo do cangaceiro Sinhô Pereira, Lampião passou a ocupar um lugar de destaque na história do cangaço, que estava vazio desde a prisão de Antônio Silvino, em 1914.
Crueldade mítica.

Os jornais da época, com base em depoimentos de policiais sobre o bando, atribuem a Lampião atos e assassinatos de extrema crueldade. Diferentemente de outros cangaceiros famosos, mais arredios à publicidade, Lampião preocupou-se bastante em construir uma imagem pública e passou a conceder entrevistas e permitir fotos. Sua fama chegou ao ápice em 1926, quando foi incorporado ao Batalhão Patriótico, uma milícia do governo. O objetivo dos homens do batalhão era combater a Coluna Prestes (1925-1927), movimento liderado por militares, principalmente tenentes, que percorreu o país propondo reformas políticas e sociais contra a pobreza, durante a República Velha. Ao tomarem a decisão de pertencer à milícia, os homens de Lampião chegaram à Juazeiro do Norte (CE) como salvadores da pátria, aclamados pela população. Como recompensa pela missão, Lampião e seu bando seriam anistiados. Porém, essa promessa nunca foi cumprida, e os cangaceiros não entraram em confronto com a Coluna.
Lampião atua com seus cangaceiros principalmente no sertão de Sergipe, Pernambuco e Bahia, mas há registros de assaltos também na área que vai do estado de Alagoas ao Ceará. Ele teria conhecido Maria Bonita em 1929. Ela deixa o marido, integra-se ao bando e acaba por também se tornar famosa.¹ Em 1930, o bebê que seria o primeiro filho de Lampião com Maria Bonita nasce morto. Dois anos depois, nasce Expedita, que o casal entrega a um coiteiro – como eram chamados os comparsas dos cangaceiros – para que ele a criasse.
Emboscada final
O cangaço chega ao fim durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que moderniza o país e reforça o aparato policial sob controle do Estado.
Lampião e seus cangaceiros morrem em uma emboscada noturna na fazenda de Angico, em Sergipe. Um coiteiro torturado pela polícia teria denunciado o esconderijo de Lampião. Aproximadamente 50 soldados da Polícia Militar teriam participado da ação, partindo de Piranhas (AL) para encurralar o cangaceiro e o seu bando. Pegos de surpresa, os comandados de Lampião não teriam conseguido reagir diante do fogo cruzado de fuzis e metralhadoras.
Os cadáveres decapitados foram exibidos como troféus da vitória da ordem e das instituições – de forma semelhante ao ocorrido com Zumbi, do Quilombo dos Palmares, e Tiradentes. Durante mais de 30 anos, a cabeça de Maria Bonita e a de Lampião permaneceram expostas no Museu da Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, até ser definitivamente sepultada, em fevereiro de 1969.
Fonte: GE ATUALIDADES 2013. I semestre. P. 108 e 109.
1 - Ficaram famosos os versos de cordel de Octacílio Batista, que seguem abaixo:
Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Lampião, o facínora dos sertões.



Área de atuação do bando de Lampião.
A SEDUÇÃO DOS BANDIDOS. DE LAMPIÃO A LEONARDO PAREJA, O QUE AFINAL NOS ATRAI NESSES FORAS DA LEI?
Um homem armado invade uma casa em busca de comida. A dona, humilde viúva da zona rural, não tem o que oferecer. Tomado por um ataque de fúria, o invasor dá uma surra na mulher e depois se volta para o jovem filho da viúva, que presencia tudo. Põe então em prática seu gosto por rituais de sadismo gratuito: enfia o órgão genital do menino numa gaveta e a tranca com chave. Depois, ateia fogo à casa. Desesperado, o rapaz é obrigado a cortar o próprio pênis para salvar a vida.
O facínora responsável por esse crime hediondo é hoje um mito nacional: Virgulino Ferreira, vulgo Lampião. Sua ficha criminal não caberia em todas as páginas desta edição. Durantes 22 anos, liderou um bando de cangaceiros em ataques sangrentos num vasto perímetro de sete estados do Nordeste. Arrasavam vilas e propriedades rurais. Estupravam mulheres. Castravam rapazes. Enterravam gente viva. Cortavam cabeças. Sangravam inocentes como animais em praça pública. Marcavam com ferro em brasa o rosto de moças que se vestiam de modo “inadequado”.
Os poderosos da época anunciavam publicamente sua indignação com os atentados em série e suplicavam verbas do governo federal para caçar os cangaceiros. Mas, nos bastidores, faziam acordos com os chefes da gangue, vendiam-lhe armas e contratavam seus valiosos serviços de jagunço para se livrarem de desafetos e se apossarem de terras abandonadas. O terror promovido pelo cangaço contribuiu para a migração em massa do Nordeste para o Sudeste nas primeiras décadas do século XX. Os cordéis da época lamentavam o sofrimento do sertanejo nas mãos dos bandidos
É um tormento horroroso
essa tal situação,
da gente não poder mais
viajar pelo sertão
para encontrar pelo caminho
indo cair direitinho
nas unhas de Lampião.
Como explicar que, hoje, esse bandido quase só receba loas, como símbolo de cabra-macho, vingador do sertão? Como explicar Lampião, o Mito?
É o que se perguntava desde criança a antropóloga Luitgarde Cavalcanti. Sua mãe caíra nas garras do cangaceiro quando jovem. No município de Santana de Ipanema (AL), Lampião trancou as moças da família em uma casa e ordenou que ninguém de seu bando encostasse nelas. Não foi um súbito acesso de bondade. Luitgarde atribui a decisão ao racismo do “rei do cangaço”. Descendentes de holandeses, com pele clara, olhos azuis, bem vestidas, aquelas mulheres impressionaram Lampião pelo fino trato e pela boa aparência. Eram, enfim, de uma “raça refinada”.
Por mais de 20 anos, Luitgarde se dedicou a investigar o cangaço, o que resultou no livro A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão (2000). Para ela, a mitificação de Lampião é um absurdo histórico a ser corrigido. “Ele só conseguiu permanecer 22 anos praticando os seus crimes porque servia à classe dominante”. O êxodo provocado por Lampião refez o latifúndio no sertão nordestino. Enquanto foi vivo, ele não era mitificado pelo povo. “Até o início de 1960, nenhum cordel dizia que Lampião teria ido para o céu; ele sempre aparecia no inferno”, diz ela. Tanto que o coronel Lucena Maranhão, o homem que matou o pai do cangaceiro e mais tarde liderou a caçada que resultou na morte do próprio Lampião (1938), entrou para a história como benfeitor público.
Então, quando, e por obra de quem, surgiu o Lampião fictício, guerreiro de Brasil miserável? A pesquisadora aponta origens distintas para essa deturpação. Em primeiro lugar estão os que participaram ou que se beneficiaram do cangaço. Os irmãos Melchiades e Ezequias da Rocha, por exemplo, descendiam dos “coiteiros” de Lampião – gente que ajudava os cangaceiros a se esconder e os apoiava com serviços variados. Aos Rocha soava bem melhor ter ancestrais ligados a um “justiceiro” do que serem conhecidos como protetores de bandidos. Eis porque, a partir dos anos 1940, o jornalista Melchiades, repórter de A Noite, passou a defender um novo olhar sobre o cangaço, enquanto o senador e médico Ezequias compunha cordéis sob o pseudônimo de Zabelê. Trazem sua assinatura os primeiros versos conhecidos em que Lampião tem seus atos legitimados pela corrupção reinante, como estes:
Para havê paz no Sertão,
E as moça pudê prosá
E os rapaz pudê se ri
E os menino diverti
É preciso inleição
Pra fazê de Lampião
Gunvenadô do Brasil.
A versão de que Lampião simbolizava um certo ideal de justiça social atendia a vários interesses, até mesmo para os potentados regionais da política e da Justiça. No outro extremo dos embates políticos, o novo Lampião caía como uma luva para a propaganda comunista no Brasil, como exemplo de “herói camponês” – a Internacional Comunista chegou a pensar em recrutá-lo como guerrilheiro. Nos anos de 1960, quando sobreveio a ditadura e a esquerda se aferrou a símbolos de libertação popular, não havia mais dúvida sobre quem teriam sido os vilões e os heróis nos combates entre cangaceiros e a polícia corrupta dos coronéis. Some-se a tudo isso a liberdade poética dos cordelistas e cantadores, tendo à mão o apelo dramático de personagens altamente simbólicos e já distantes no tempo. Receita pronta e infalível para o nascimento do bom bandido.
Aliás, fora de seu contexto, o bordão “Bandido bom é bandido morto”, popularizado pelo ex-deputado fluminense Sivuca, tem a precisão de uma máxima sociológica. Pois é justamente o que afirma o historiador best-seller britânico Eric Hobsbawm em Bandidos, obra de referência para os estudos sobre o conceito de “banditismo social”: “Sem dúvida, é mais fácil converter bandidos mortos, ou até mesmo remotos, em Robin Hoods, qualquer que tenha sido seu comportamento real”. Se bandido bom é bandido morto, melhor ainda é bandido inexistente. Como comprova o mesmo Hobsbawm ao apontar a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom ladrão. Sem os pecados e as contradições dos criminosos de carne e osso, ele se beneficiou da imaterialidade para perenizar-se no imaginário do honrosa e eterna odisseia humana em sua luta contra autoridades ilegítimas ou injustas.
Em Bandidos, lançado no Brasil em 1975, Hobsbawm faz uma viagem panorâmica por diversos exemplos de “bandidos sociais” ao redor do mundo, procurando embasar esse novo conceito em critérios socioculturais aproximativos. O livro virou referência, para o bem ou para o mal: criticado por muitos, mas obrigatoriamente citado desde então. O contexto de atuação dos bandidos sociais de Hobsbawm se relaciona com a era moderna – a partir da formação dos estados nacionais e do controle dos territórios por poderes centrais – e se dá sempre na área rural. A maior causa das críticas à obra é sua análise genérica de que esse tipo de banditismo teria um significado pré-político, demarcando um início de reação das populações excluídas contra a opressão dos poderes locais. Para Hobsbawm, Lampião entra no rol dos “bandidos sociais”, embora com a ressalva de que ra um personagem ambíguo, meio “nobre”, meio “monstro”.
Ainda que percam precisão quando generalizados, alguns modelos de Hobsbawn são úteis para uma verificação da presença, ou não, do bandido social em casos específicos de crimes. Um deles é o fator vingança. Em diversos tempos e culturas, a vingança é encarada como motivo aceitável para se pegar em armas a fim de fazer justiça com as próprias mãos. Foi o que levou outro cangaceiro notório, Antônio Silvino (1875-1944), a conquistar sua vaga no Paraíso dos cordéis: ele começou sua vida bandida para vingar o pai assassinado. O mesmo argumento por vezes é usado para defender Lampião. Mais uma vez a caçadora do mito Luitgarde Cavalcanti se insurge contra a tese: “Isso é outra mentira. Lampião entrou ara o cangaço com o pai muito vivo, em 1916. O pai dele só morreu cinco anos depois”. Quando muito, teria caído na marginalidade por conta de violentas rixas familiares anteriores. Em seu livro, Luitgarde chama de “escudo ético” o pretexto da vingança paterna utilizada por Lampião para justificar suas ações. Antônio Silvino, em oposição, ganha crédito da pesquisadora por ter mantido um “resto de honra”, obedecendo a certos limites – não estuprava e não castrava, por exemplo.
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 6, n° 68, maio de 2011. P 17 a 21.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

RESUMO DOS PRESIDENTES

Na história da República Brasileira, normalmente, se fala de crises, conflitos, disputas, golpes e corrupção. E às vezes, no afã de se completar um conteúdo com vistas ao ENEM e aos vestibulares, passamos meio negligentes pelas figuras que tiveram a tarefa de liderar o país nesses eventos: os presidentes da república. 

É evidente que isso não acontece com todos eles. Normalmente se fala bastante de Getúlio Vargas, que governou o Brasil em dois períodos: a Era Vargas (1930-1945), quando assumiu o poder mediante um golpe; e o Segundo Governo (1951-1954), quando pela primeira vez foi eleito presidente pelo voto direto. 

Outros presidentes bastante comentados são Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e os presidentes do Regime Militar. 

Os mais recentes, de José Sarney até Dilma,  naturalmente, conhecemos um pouco melhor. Mas, e aqueles presidentes da República Velha ou Primeira República? Quem foram eles? Que problemas enfrentaram? Em que circunstâncias governaram? O público em geral ignora bastante o papel desses presidentes na história do país. 

A fim de diminuir esse desconhecimento, convido os visitantes a acessarem este link  e conhecerem um pouco da história e dos governos de todos os presidentes do Brasil durante a República Velha. 

  • Deodoro da Fonseca (1889-1891)
  • Floriano Peixoto (1891-1894)
  • Prudente de Morais (1894-1898)
  • Campos Sales (1898-1902)
  • Rodrigues Alves (1902-1906)
  • Afonso Pena (1906-1909)
  • Nilo Peçanha (1909-1910)
  • Hermes da Fonseca (1910-1914)
  • Venceslau Brás (1914-1918)
  • Delfim Moreira (1918-1919)
  • Epitácio Pessoa (1919-1922)
  • Artur Bernardes (1922-1926)
  • Washington Luís (1926-1930)
"Professor, como eu posso usar esse link nos meus estudos sobre a República Velha?", pode perguntar um aluno. "De várias maneiras", eu respondo.  Uma que eu sugiro é procurar em cada um desses governos os temas que foram abordados em sala de aula. Por exemplo: no caso do presidente Deodoro da Fonseca, procurem sobre a Constituição de 1891, o Encilhamento e a Crise Política. Sobre Floriano, dê atenção à Revolta da Armada e à Revolução Federalista. 

Acompanhem as aulas e busquem no site o complemento dessas informações e algumas curiosidades do período estudado.

Lembre-se: o papel do professor é indicar o caminho. É corrigir eventuais enganos. É promover o interesse pela aprendizagem. A tarefa de aprender é sua!!!!



domingo, 26 de janeiro de 2014

Duas Pinturas e a mesma ausência.



Em dois importantes momentos da história do Brasil, o povo passou ao largo. Haverá quem radicalize, com alguma razão, dizendo que não apenas em dois, mas em muitos outros momentos importantes da história brasileira o povo não teve uma participação decisiva. Todavia, em duas ocasiões definidoras de nossa história política, essa ausência do povo, ou se preferirem, das massas foi retratada em pinturas. Refiro-me, é claro, aos famosos quadros Independência ou Morte, conhecido também como Grito do Ipiranga, de Pedro Américo, de 1888; e Proclamação da República, de Benedito Calixto, de 1893. Em ambos, a mesma necessidade de exaltar as elites de forma heroica e patriótica (afinal, esses artistas foram contratados por elas); Em ambas a mesma necessidade de alterar alguns aspectos da cena a fim de dar a elas a grandiloquência que não tiveram. Em ambos ( intenção dos artistas?), a mesma ausência e irrelevância  do elemento popular nesses dois acontecimentos.



O Grito do Ipiranga. 1888. Pedro Américo.

Proclamação da República. 1893. Benedito Calixto.

Os Projetos de República.








Quando, em outubro deste ano, os eleitores brasileiros forem às urnas estarão celebrando a oitava eleição consecutiva e direta para Presidente da República. Os mais jovens talvez não saibam, mas nos 125 anos de República no Brasil, nosso país passou por duas famigeradas ditaduras: a do Estado Novo (1937-1945), cujo ditador foi Getúlio Vargas; e a do Regime Militar (1964 - 1985). Nesses dois períodos foi retirado dos brasileiros o direito de eleger pelo voto direto o Presidente da República.

Quando em 15 de novembro de 1889 a quartelada comandada pelo marechal Deodoro da Fonseca destronou o imperador D Pedro II e mandou a família imperial para a Europa, o novo regime político que se implantava pela força não teve qualquer apoio no seio do povo, que assistiu, usando a feliz expressão do jornalista Aristides Lobo, bestializado o fim da monarquia. No mesmo sentido, ensina-nos Boris Fausto, outro famoso historiador, que "como episódio, a passagem do Império para República foi quase um passeio", aludindo certamente ao fato de que não houve comoção popular nem crises de instabilidade causadas pelo Golpe do Exército.

Toda essa calmaria, entretanto, logo cederia lugar a um período de instabilidade política, como revoltas militares, crise econômica, revoltas no campo e nas cidades. Se a Proclamação da República em si não sacudiu o país, os primeiros 15 anos do regime foram marcados por sérias crises políticas, econômicas e sociais.

Em primeiro lugar é fundamental que a gente lembre que os grupos que defendiam o regime republicano não eram homogêneos nem tinham a mesma visão sobre a organização do novo regime. Grosso modo havia duas visões opostas: a dos militares - e aqui falo do exército - e a dos grandes proprietários, sobretudo dos cafeicultores. Os primeiros defendiam um modelo republicano baseado nas ideias do positivismo e os outros tinham uma visão mais liberal, próxima da república norte-americana, conhecida como federalismo.

Estou, meus caros, a simplificar as diferenças, haja visto que mesmo entre os militares havia divergências e entre os cafeicultores também. Contudo, numa visão abrangente, as ideias positivistas e liberais, de caráter federalista, confrontavam-se no debate sobre o modelo de República que deveria ser implantado no Brasil. Este post tem como objetivo tratar desses dois projetos de república.

Os positivistas

Boris Fausto nos ensina que apesar do positivismo estar ligado aos oficiais do exército brasileiro, havia civis, como os republicanos gaúchos, que defendiam o projeto positivista . Por outro lado, os dois primeiros presidentes do Brasil, que foram militares, o Marechal Deodoro e o Marechal Floriano Peixoto não eram exatamente entusiastas do positivismo. O primeiro imaginava que com a República o exército passaria a ter mais prestígio e reconhecimento do que tinha com a Monarquia, assumindo um papel importante nos destinos do país. O segundo, embora não fosse positivista, estava cercado por jovens oficiais da Escola Militar que defendiam com ardor as idéias do positivismo. Esses jovens oficiais concebiam que a missão dos militares era dar um sentido aos rumos do país. A República deveria garantir a ordem e o progresso do Brasil. Eles entendiam como progresso a "modernização da sociedade através da ampliação dos conhecimentos técnicos, do crescimento da indústria e da expansão das comunicações"¹

Em que pese as diferenças entre o "grupo" de Deodoro e o "grupo" de Floriano, o fato de pertencerem ao exército lhes dava um sentido de aproximação. De forma geral acreditavam num Poder Executivo forte, numa inevitável ditadura. militar e viam o exército como uma instituição incorruptível, defensora por princípio dos interesses nacionais, numa palavra: patriótica. Desconfiavam da ideia liberal de conceder autonomia às províncias, primeiro porque enxergavam nesse fato os interesses particulares dos grandes proprietários e depois porque imaginavam que a autonomia das províncias traria de volta o risco da fragmentação territorial do país.²

Os Grandes Proprietários

O historiador Marco Antônio Vila nos revela que em agosto de 1889, portanto três meses antes da proclamação da república no Brasil, a eleição para a câmara elegeu apenas dois representantes do Partido Republicano. Os demais eram dos partidos que sustentavam a Monarquia: o Conservador e o Liberal. "Como", pergunta Vila, "em três meses, todo o apoio político que sustentava o imperador se esvaneceu"? Uma das explicações, segundo o professor da UFSCar, está na ideia de que com a república haveria autonomia das províncias, dando aos grandes proprietários um poder que não conseguiam desfrutar por causa do regime centralizador da monarquia. Isto é, foi sobretudo por conta da possibilidade de conquistarem mais poder nos seus respectivos estados que muitos daqueles que apoiavam o imperador debandaram-se para a causa republicana.

Havia, portanto, entre os defensores da República, dois modelos opostos: o que defendia um governo mais centralizado e que por isso não via com bons olhos a ideia do federalismo; e aquele que defendia uma importante descentralização política, dando às províncias a autonomia para contrair empréstimos, criar impostos, criar leis, etc.

A luta entre essas duas visões de país vai marcar a história do início da República no Brasil.

*Esse texto foi escrito originalmente em março de 2010. Fiz pequenas correções.